Mil vezes o mundo na sua cabeça
Todos os dias se perguntava quantos mais dias assim. Acordar, sair p’ra vida. Seria p’ra vida que saía, que “a vida está lá fora”, diziam.
Mentira. A vida lá fora não tinha nada, era um deserto árido. Dias corridos entre gente de passos repetidos e ouvidos selados por auscultadores. Olhares que nunca se encontravam com o seu o tempo suficiente para um reconhecimento da sua existência.
Mil vezes preferia a vida que se passava na sua cabeça.
Sentava-se num banco da praça e olhava os casais, tentando ver nos seus gestos sinais de amor ou ânsia de afastamento.
Olhava aquela mulher sentada no banco do metro, e procurava na expressão distante indícios da última noite de amor.
Seguia os passos da garota de mochila às costas, e conseguia ver os sonhos que não se iriam realizar e o vazio dos planos para o futuro.
Os seus olhos vagueavam de pessoa para pessoa criando vidas, dramas, passados e futuros, num argumento que dirigia entre a demência da adivinhação dos dias idos e o entusiasmo por um futuro que nunca ira ser seu.
Era muito melhor o mundo que corria num galope desenfreado pela sua cabeça que a vida que lhe era oferecida lá fora.
E por isso, caminhava sempre só, e era a sua melhor companhia.