Foi ao som da música de uma máquina de escrever que registei os meus primeiros textos.
Como incentivo para continuar a escrever, ofereceram-me uma Messa verde e pesada, que era a minha grande companheira.
Esta já é mais leve, maneirinha, mas uma digna sucessora. Também Messa, a marca portuguesa.
Escrever à maquina ajudava-me a ter cuidado com a ortografia (as emendas não ficam bonitas) e com a minha dislexia. Lendo em voz alta e soletrando cada palavra, detetava melhor os truques do meu cérebro para me enganar, trocando-me sílabas na cabeça.
A minha primeira faculdade acabou mesmo por ser a de Letras, o que prova que podemos aprender a lidar com algumas situações de dislexia.
Gosto do barulho dos tipos, da lentidão que exige o processo. Pousar os dedos, tecla a tecla, na entrega profunda ao ato físico da escrita.
A pausa como método, a cadência como embalo do criar.
Agora, enquanto bato cada tecla, só faltam as vozes dos pais a cantar, ao fundo, para voltar aos anos 80 ...
...Faltavam, porque, fechando os olhos, soltam-se as suas vozes das paredes onde têm ficado guardadas, entre as minhas idas e as voltas à adolescência.
A segunda cor do Desafio Caixa dos Lápis de Cor é o castanho. Lembrei-me logo de uma antiga colega que abria o braço num gesto largo e dizia "...os castanhos" quando se referia a todas as cores neutras. Um hábito da velha escola.
Não me saiu esta imagem da cabeça, tinha que ser esta a forma como o castanho surgiria na minha narrativa... e aqui está ela:
Sem pensar, começou a colocar a tinta na paleta. Espalhou-a em volta, guardando o centro para os neutros.
"Que é isto", interrogou-se...
E conforme olhava aquelas cores abertas, impressionistas, tão longe dos seus esboços, percebeu que não eram mais que o desejo que tinha de alegria, de vida.
Olhou o tubo de castanho. Apertou-o e caiu um pouco ali, a meio da paleta.
Pegou no pincel e arrastou-o para cima do vermelho. Depois, do amarelo. Do verde, do azul...
E ficou ali, tirando a luz das cores, uma a uma. Até acabar numa mancha de sombra.
Naquela paleta viu a sua existência. Os castanhos que entravam pelo vermelho da sua paixão, invadiam o amarelo da alegria, emudeciam o azul dos sonhos... e convertiam os seus dias num tom indefinido de sombra.
Viu cada uma das mãos que a cercava, sufocava, jorrando castanho para as cores das suas emoções e sentires.
E ali, decidiu tomar nos braços a paleta da sua vida. E não permitir que qualquer cor nas mãos dos outros invadisse as tons que escolhia para pintar os seus dias...
foto: na falta de uma paleta aqui à mão... a minha caixa de aguarelas preferida
Olhar para portas que deixaram de ser abertas, ver os cortinados que ninguém já afasta, esfarrapando-se em abandono.
Degraus gastos por muitos anos de uso.
Crianças que os desceram a correr, avós que os subiram com dificuldade.
As paredes, que retinham o aroma a doce de tomate na época da apanha. A broas fervidas pelos Santos.
O cheiro a cavalo, azeite e vinho por toda a rua.
Os ruídos do lagar, da vinícola, das gentes no campo, mais ao longe.
Foi assim, um dia. Agora, não está ninguém... sons e cheiros só ficaram retidos, como uma impressão, na memória. Fugaz, como fugaz é a vida dos que se lembram.
Fiz uma paella fantástica que depois digeri no Continente, correndo pelos corredores a ver se batia recorde do tempo que lá passo. Levei duas máscaras, dizem que agora é trendy contra o vírus inglês...
Era bom que as compras dessem para duas semanas, mas não acredito, estes fulanos comem que se fartam.
Agora é que me arrependo de ter ofertado a arca frigorífica à ex-sogra. Fazia-me falta. E a sogra também, sempre me fazia uns almoços.
Fui buscar o filho mais velho ao trabalho para não andar no comboio. Mentira, a verdade é que a essa hora já estava outra vez farta de estar em casa.
Respondi ao mail de uns alunos que perguntavam que, já que as aulas são proibidas, se eu podia "dar workshops de História da Cultura e das Artes on-line". Parabenizei-os pela criatividade nas adiei os encontros sine die.
Passei à fase de me mimar: um gin com pepino e pimenta, como eu gosto, e uns livros que me inspirem a dizer palavrões.