Esta Primavera senti, como nunca antes, a cidade despertar ao ritmo da Natureza.
É um ror de desabrochares, uma turbulência de cores que não se fica pelos canteiros mas que se alastra às pessoas. E estas andam por aí em catadupa de risos e roupas frescas, explodindo em movimento depois de uma hibernação forçada. Antinatural e de uma violência que ecoará ainda por muito tempo.
Um perfeito alinhar com a vida, uma alegria incontida ao sorver do ar do mar e dos cheiros dos jardins.
Que nunca a Primavera e as Gentes estiveram numa sintonia tão perfeita…
Chega o Sol e um desconfinamento com sabor a rentrée. A possibilidade de voltar a entrar num restaurante, num teatro, alegram-me o coração... sou agora uma adolescente com autorização para sair à noite!
Há sempre um "mas", uma névoa. E a minha aparece quando vejo o enorme número de famílias que consideram passear à beira-rio ou beira-mar uma atividade física que tem que ser praticada sem máscara. É uma nuvenzinha no horizonte do meu otimismo... e só espero que a próxima vaga, predita há muito, não me arraste para casa a trabalhar.
Até lá, vou gozar tudo a que tenho direito com o devido distanciamento, máscara, cuidados. Não só porque quero continuar a usufruir do mundo, mas porque quero garantir a possibilidade de trabalhar daqueles que vivem da restauração ou da cultura; porque há alunos que precisam de aulas na escola... como os que vão a exame nacional.
A alegria de pisar a calçada e a tristeza das portas fechadas, das ruas-fantasma...
E outra tristeza. A dos pedintes que agora andam pela cidade, de olhar desesperado, envergonhado da pobreza recente. O desempregado da construção civil, da hotelaria, pedindo umas moedas para comer.
Pessoas que há um ano, num domingo destes, se cruzariam comigo passeando os filhos, param-me na rua porque têm contas, porque estão vivos. São evitados pelos que desconfinam alegremente, como se viessem de uma temporada nas termas. Olhados como se tivessem obrigação de esconder a sua vida em estilhaços, para sossegar os que penduram arco-íris nas janela. Não está bem, não vai ficar bem.
Lisboa... o que será de ti e dos que se acolhem nos teus vãos...