Olho para este livro fino, de capa preta onde se notam os cantos esgaçados de tanto ser aberto e fechado. Tem as letras de Constelação dispostas como num céu e um nome, Sónia Balacó.
Um livro que oscila entre algumas linhas de promessa de poesia e o seu cumprimento, com resultados de grande beleza.
Já está outro na forja, que espero com a enorme curiosidade de saber se, efetivamente, temos poetisa.
Não sou de escrever sobre livros que já são muito falados - não tenho normalmente nada a acrescentar ao que foi já dito.
Mas sobre este... não podia deixar em branco. Não só pela excelência, como pelo tema.
Apneia, uma escrita como uma faca, que corta a pele desenhando beleza a sangue.
Tânia Ganho, ou as palavras certas no lugar exato.
"Tantas páginas" pensei "seriam mesmo necessárias?" Sim.
Porque só neste crescendo e neste tempo se sente o que é viver, longamente, como se o ar faltasse... e é assim. Apneia.
Estes são os avanços e recuos, o ritmo dos loucos que tomam nas suas mãos as nossas vidas e nos fazem girar, como uma funda. E nos arremessam sem saber onde caímos; sem a única rede com que poderíamos contar: a justiça. O sistema que nos abandona no torvelinho do tempo e dos recursos.
E não se pense "comigo não"... é com isso que eles contam.
Os livros que estão há muito connosco, têm o dobro das estórias para contar.
As folhas abrem-se e, junto à sua história, correm as nossas próprias narrativas que lá se foram aconchegando no tempo.
A memória de mudar de mãos. O bilhete que foi deixado a marcar a página. Os grãos de areia daquele Verão em que nos acompanhou nas manhãs de praia.
Ou, como neste livro, o momento exato em que alguém querido nos abriu um mundo novo.
Volto, por vezes, à casa dos meus pais. Pouco a pouco, ganha-se coragem para entrar mais fundo num passado que ainda me sabe bem estagnado, quieto. Por vezes, até cedo à tristeza e trago um livro.
Esta obra foi o meu primeiro contacto com Sena, escritor e homem de palavra arguta... foi um livro que abalou o que até então era poesia para mim.
O meu pai começou por, pequena, me entregar as "Folhas Caídas" de Almeida Garret, a obra de Sophia e a Praça da Canção, de Manuel Alegre.
Um dia, achou que chegava de versos de rimas e ritmos que se liam como se sucedem as estações do ano e entrega-me a Sena. E abriu-se um mundo de possibilidades na poesia até então desconhecidas e o universo era, afinal, bem maior que aquilo que eu via.
Fiz tabula rasa do até então e escrever começou de novo, como se novo, e era novo.
Ideias para adiar o fim do mundo é uma obra que resulta de duas conferências e uma entrevista decorridas em Portugal, entre 2017 e 2019.
Ailton Krenak, pensador indígena, reflete sobre as questões que estiveram na base da colonização, como o facto de que “havia uma humanidade esclarecida que precisava ir ao encontro da humanidade obscurecida”.
Não partilhando de todas as visões do autor, levantaram-se-me algumas questões... incluindo a da abordagem de diferentes culturas que deve ser, ainda, posta na mesa.
De facto há movimentos missionários em países como os EUA que insistem em "levar a palavra de Deus" a locais remotos.
Além do perigo que representa para a saúde desses povos a exposição a doenças para as quais não têm defesas, acresce a contínua arrogância de ser o arauto da Luz e da Verdade
Também uma obra importante para refletir, numa altura em que se torna comum julgar práticas de 100, 500 anos segundo os valores atuais, o que carece de qualquer sentido de perspectiva histórica.
E favorece ainda outra reflexão, que é a da pouca importância atribuída pela sociedade às artes e humanidades.
Aqui, a culpa não é apenas do ministério da educação, mas começa na casa de cada um. Cada pai, com o seu filho.
Cada pessoa completamente alheia à importância do conhecimento da história para contextualizar as realidades atuais. Basta recordar como Hitler subiu ao poder, numa sociedade humilhada, cansada e em crise.
Cada pessoa que fala em "criatividade" sem ter presente que esta é trabalhada na metodologia de projeto em disciplinas artísticas como Educação Visual, de que só veem o produto final.
Seguimos rumo a uma sociedade de "fazedores", "técnicos", de preferência ignorantes das suas referências, para lhes podermos manipular a identidade, e alheios à arte e à cultura, sempre ligadas à análise e intervenção social. Que também não interessam.
E como as conversas são como as cerejas, termino com mais uma ideia para adiar o fim do mundo: todas as pessoas que querem comprar um livro, que o façam a livrarias independentes, on-line. Merecem e precisam.
Nascida de um sonho, é uma proposta de revista de bolso, coletânea de textos em jeito de memoir.
Comecei pelo texto da Claudia Lucas Chéu, a escritora desta coletânea que melhor conheço.
Ora, a Cláudia LC falando do impacto da literatura na sua sexualidade, só podia resultar na delícia de texto que ocupou, em luxúria, algumas das mais belas páginas da revista.
Sigo, entre a poesia de João Pedro Azul, o diário de viagem de João Sousa Cardoso, a experiência sobre ser um ciclista na cidade, de Nuno Catarino. E a história da Seara, que um edifício também pode ser gente.
Tinha que acabar a leitura, foi a minha companhia hoje entre aulas. É um projeto que vale a pena conhecer!
Como fundo, a textura de uma sala de aula, que o dinheiro não chega para tudo, coitadinhos dos banqueiros, temos que os salvar. E a Parque Escolar faliu entre projetos egóticos e candeeiros do Siza.
*Editado a pedido:
a revista pode ser adquirida ou assinada através do site revistamamute.pt
Na capa, o estojo d' O Mago. Será esta obra, conjunto de poemas já editados e outros originais a celebração do impulso criador do Arcano do tarot de Marselha, ou uma metáfora dos enganos - os nossos e os do mundo?
O Mago está no lugar certo, até porque poesia é sempre uma obra aberta, escancarada ao que precisarmos no instante em que a lemos.
Por isso, leiam o Miguel-Manso, leiam poesia e a magia acontece... ou deixa de ser necessária.