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Crónicas do Chão Salgado

resistir e criar, por mais que nos salguem o chão dos dias | crónicas, memoirs, & leituras

Crónicas do Chão Salgado

resistir e criar, por mais que nos salguem o chão dos dias | crónicas, memoirs, & leituras

Estado de Urgência

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Cansativa, esta vida em estado de urgência. Este projetar no amanhã a possibilidade de uma certeza. Enquanto os três Cavaleiros do Apocalipse dão a cíclica volta pela terra, semeando fomes, pestes e guerras, esperemos que não espreite o quarto na derradeiro untar do umbigo do Homem ou no castigo final da mãe Terra.
 
O mundo está sempre em guerra. Sempre. Não é a fé, o conhecimento ou o progresso que a mantêm à distância. A arrogância e a ambição do Homem trazem-na sempre de volta. E mesmo perante ela, não há sinais de humildade da parte desta espécie danada. Só gritos de vitória antecipada e a euforia dos estrategas de sofá. 
 
E seguimos, rumo a uma Europa de novo enfraquecida, mergulhada numa crise dolorosíssima... onde quem ganha são sempre os mesmos. Porque é a esses que todo o conflito interessa, são esses que o urdem calmamente enquanto as atenções se desviam. E subitamente, os olhos que não quiseram olhar e os ouvidos que não quiseram ouvir, pasmam de espanto! Ah, humanidade perversa... 
 
 

Pecadora

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Gostava de não ser tão pecadora ou, pelo menos, de não me comprazer tanto no pecado. Não sei porquê… poderão ter sido os anos no lar de freiras, uma curiosidade insaciável ou uma vontade indomável de me situar nos antípodas da herança judaico-cristã.
 
Atualmente, começa-me a atormentar a consciência o pecado da gula. Não há força de vontade ou estratégia que o vença… e eu, que ultrapassei terríveis dores do coração e do corpo… não resisto a um queijo da serra, uma morcela de arroz ou uma pavlova de frutos silvestres. Ou um pastel de nata, whatever.
 
Transfiguro-me na imagem da fraqueza, sombra de mulher, criatura fraca e de vontade baça. E o universo alinha-se contra mim, trazendo de uma enfiada Natal, Ano Novo e o meu Aniversário. Não é que estas datas me digam alguma coisa, mas são pretexto para uma orgia alimentar aqui por casa... 
 
 

…e o amor prevalece

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Não sou de Inverno. Sou dos dias que se prolongam nas noites quentes, aquelas que aliviam o peito, depois do do respirar que pesou debaixo do braseiro do sol.
 
Mas esta estação que me apetecia passar a dormir, é a que mais me aproxima das memórias da minha mãe. As noites longas que ela amava por poder ficar, de bordado no colo, contando as histórias por trás de cada anexim, da Bruxa do Castelo e dos contrabandistas que tudo arriscavam…
 
E dou por mim também nestas noites infinitas, pintando com recordações e linha os panos que trouxe das gavetas dela. Da mãe com tantas histórias a caber no segurar do bastidor.
 
E o vento acalma, o Inverno aquenta… e o amor prevalece.

A Fábrica de Cretinos Digitais | Michel Desmurget

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A Fábrica de Cretinos Digitais - Os perigos dos ecrãs para os nossos filhos, Michel Desmurget
 
“Simplesmente não há desculpa para o que estamos fazendo com nossos filhos e como estamos colocando em risco seu futuro e desenvolvimento".
Palavras de Desmurguet, a partir de investigações que mostram como “os nativos digitais são os primeiros filhos a terem um QI inferior ao dos pais. Após milhares de anos de evolução, o ser humano está agora a regredir em termos cognitivos e de capacidades intelectuais - por culpa da exposição excessiva a ecrãs.”
 
Estará na hora de refletir sobre estas questões, ao invés da eterna culpabilização da escola por não se adaptar às necessidades atuais dos alunos. De facto, a escola tem sido elástica e inclusiva, num permanente esforço de responder ao que se exige às novas gerações: executantes e técnicos.
 
O conhecimento, que estrutura verdadeiramente o espírito analítico e crítico das questões de fundo da existência humana, é desprezado a favor da resolução imediata de problemas, do afamado “trabalho de projeto”. A ironia é que o trabalho de projeto, a metodologia do design (até há formações a peso de ouro sobre isto pelas faculdades da moda) é do início do século passado e aplicada desde o 2º ciclo nas disciplinas que a sociedade pensa servirem para entreter : Educação Tecnológica, Educação Visual. Na verdade, por trás daquilo que pensam ser "um desenho" está todo um trabalho de aplicação da metodologia do projeto.
 
E, depois de cortarem a carga horária estas disciplinas, querem este método de trabalho aplicado a todo o sistema... com alguma resistência lúcida por parte de professores e pais mas, na sua maioria, com o beneplácito de quem almeja uma sociedade como convém a quem comanda: seres que não reflitam mas pensem em termos imediatos: técnicos ignorantes e obedientes.
 
 

Amar uma Calathea

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Apesar de gostar muito de ginginhas e acreditar piamente nos conselhos da Mariquinhas, é a regar as minhas plantas que dou de beber à dor. É na alegria das novas folhas que me esqueço do mundo, é com as mãos na terra que me ligo a mim própria, retorno ao que sou.
Cada planta é diferente da outra e, para as fazermos felizes, é preciso ler-lhes os sinais. Passar tempo a ver as pequenas mudanças que surgem com a luz, o calor e o frio. E saber esperar, que também é algo que as plantas nos ensinam.
A Calathea White Fusion é um retorno Kármico. Recorda-nos todos os nossos momentos menos brilhantes: é caprichosa, imprevisível, nunca se sabe o que dali vem, só sabemos que não estamos preparados. Sofre, coração!
Mas é também uma deusa, gloriosa e fascinante… e como uma mulher a sério…. vale bem a pena…
 
 
 

“O Inferno são os outros”

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Passam-me os posts de uma qualquer rede social na frente, e pululam os que me tentam convencer que há algo de errado comigo. Ou fico perto de pessoas que me fazem mal, ou carrego a carga de gerações, ou a minha relação com o meu pai não permite que “siga em frente”… E uma panóplia de soluções, do coaching à mesa radiónica.
É muito cómodo atribuir a factores externos os problemas que enfrentamos na vida, os mesmos erros que cometemos sucessivamente. É por isso que a religião foi criada; para podermos pedir a intervenção de algo que consiga alterar o que nós não conseguimos.
É igualmente aprazível afastarmo-nos de pessoas que são “tóxicas”… “mesmo os pais”, como dizia uma jovem num perfil patrocinado do Instagram. A sério? Vai tão longe o egoísmo? Vai, e é incentivado em nome do bem-estar. O que importa o que os pais fizeram por nós desde que entrámos no mundo; o que importa que o colega esteja a “sugar-nos a energia” porque está só e necessita de alguém que o ouça… não importa nada, o bem estar pessoal é o que interessa.
Mas que merda de mundo é este?

Lugares deixados para trás

 

 

Cada passo pelo empedrado das ruas, pelas casas onde já viveu gente e se desenrolaram vidas, nos faz sentir uma dor latente.
A igreja, a escola, o parque onde enferrujam os baloiços…. tudo o que ficou para trás. Tudo o que já foi vida.
 
Como é que se escolhe o que deixar e levar, quando nos impõem partidas e novos rumos? O espaço na memória ou o peso nos braços; o que nos leva a lançar mão de uma coisa e deixar outra?
 
Entre as casas desabitadas, de portas escancaradas às suposições do mundo, só as rosas permanecem.
Rosas iguais, rentes às paredes de tantas casas, nascem e secam todos os anos da mesma forma. Estacas de boa vizinhança espalhadas pelos canteiros, dadas como um pacote de açúcar ou um aceno.
Com tantas rosas partilhadas, de certeza alguém foi feliz aqui…
 
 
 
fotos: Concha & Jota, Junho 2021