Os regimes totalitários começam por coisas simples. Pequenos tiques como convencer os povos que a censura é legítima, que os que não pensam como as instituições determinam se encontram entre os danados, cães do Inferno.
Os últimos anos têm sido uma demonstração de seleção da informação mostrada, impedimento do acesso ao contraditório e o fomentar de um espírito de intolerância e ódio para quem pensa diferente.
São os tempos da anunciada polarização, em que ou se escolhe o branco ou o preto. Perderam-se as zonas cinzentas da aceitação do outro.
Primeiro o inimigo era quem saía no confinamento, depois quem não se quis vacinar e, agora, já há outros a quem atiçar os cães.
Todos os dias o mundo caminha para um lugar pior. E todos os dias, o pequeno inquisidor que há em cada um vem ao de cima.
Porque não há melhor ambiente para os senhores da guerra e os donos do mundo que a multidão inflamada contra o vizinho do lado.
As flores abriram com se fosse primavera esperançadas por um calor súbito, uma ilusão de vida temporã. E depois o frio da noite, a quebrar as intenções do fruto.
O Homem negou-se o ritmo da natureza e agora, é Gaia que vagueia desnorteada entre os dias humanos, confusa e perdida.
O Caos é agora o senhor reinante enquanto os homens, teimosos na sua ilusão de poder, afundam na desordem a Terra e a Vida em todas as suas formas.
Mas do Caos nascerá a Ordem, que os ciclos acham sempre o caminho de se impor, são a única certeza. Embora nada tenhamos aprendido com eles, são a única certeza.
foto: a minha amiga Paulinha, qual Gaia perdida | fev 2022
Natalis Solis Invicti, a celebração romana do Sol que acolhemos nas noites mais longas do ano. O tempo que marca o reiniciar do caminho para a vida, a Natureza que ainda dorme mas de que antevemos a explosão, lá para Março... esta Natureza como alegoria da vida humana, nos seus tempos Invernais de dormência e recolhimento, ganhando energia para reclamar dias de alegria.
O Natal... adoro os pinheiros enfeitados desde os tempos imemoriais, celebração pagã, gritando com as suas ramagens perenes que a vida continua! Como amo também as florestas onde os pés se afundam nas folhas as caídas, terra nutrida de de onde despertam os cogumelos e onde, nos troncos caídos, o musgo corre. É dessas florestas que trago as ramagens para a minha coroa, à boa maneira romana, simbolizando a prosperidade e saúde.
Natalis Solis Invicti! porque se, em qulquer Inverno ou vida a pausa e o recolhimento são necessários, o Sol é invencível... Felizes Saturnálias!
Gosto de tudo o que me dá a ilusão de ser livre. Gosto das manhãs de sábado sem despertador, da maneira como se aproximam das tardes em que o único relógio que interessa é o que o corpo impõe.
Gosto dos pensamentos que não me leem, sejam as crenças mais profundas ou as imagens que em décimas de segundo me fazem questionar as sinapses.
Numa altura em que sabem tudo de mim cada vez que ligo o gps ou faço uma compra on-line... nestes dias em que a manipulação é tanta que, para ter acesso a outros pontos de vista de gente credível é preciso escavar fundo... a liberdade, é uma ilusão.
Neste tempo em que, a mando dos poderosos me retiraram e continuam a retirar liberdades fundamentais.
Valham-me os sábados. Valham-me os dias em que a agenda está limpa; em que só me rodeiam aqueles com quem não tenho que escolher palavras. E o sol, a praia, os livros e a arte.
Abençoadas as ilusões com que vamos trocando as voltas à realidade!
Lembro-me dos Verões eternos da infância, das tardes imensas em que, deitada na terra de olhos no nada, ouvia as cigarras. E as noites, em que se contavam estrelas cadentes e os grilos formavam então o coro que se ouvia.
Algures pelo Verão adentro, já nem nos kembravamos como começara e duvidávamos que as tardes arrefecessem ou as folhas caíssem, num sabor a eternidade que só há quando o resto podia nem haver.
Agora, os Verões chegam com sabor a efémero, vivem-se as tardes quentes com sofreguidão, na antecipação do fim e braços abertos a guardar o que couber de sol e mar.
Aqui, parada na rua, olho para as crianças do quarto esquerdo que saem e penso Será que também eles têm Estios infinitos como os meus? Será que gozam os dias na languidez da despreocupação ou no frémito da correria para a praia?
Depois, olho para a vizinha do primeiro, que sai de capeline e túnica branca, tomando o caminho da praia numa lentidão compassada. Vai sempre para o seu cantinho, entre a pequena enseada que as famílias com filhos pequenos preferem e o areal extenso ocupado pelos grupos de adolescentes barulhentos em redor das pranchas de surf. À tarde, o Clube com a piscina, mais perto de casa e mais sossegado.
E entre a minha infância, a infância das crianças do quarto esquerdo e a possibilidade da rotina de banhos da Dona Helena estar mais próximo que aquilo que penso, decido que Amanhã mando tudo às urtigas e vou à Costa!
Decisão tomada e já não me sabe tanto a azedo a finitude do Verão… ou da vida.
Até já gostava de ficar triste, da quietude que lhe perdoavam nesses dias. Sem dever nada ao som do riso, e respirar só em suspiros.
Eram dias só dela, os que ficava no torpor da melancolia. Ninguém se aproximava, que tinham medo que se pegasse essa doença, agora que todos eram instigados a deixar de lado quem lhes retirasse o sorriso Instagramavel da cara, Um big brother mandava que todos fossem felizes, e todos eram, porque tudo ía ficar bem. Bastava fingir que eram contentes, que o contentamento chegaria. Aos que não o fossem, restava o exílio... e partiu. Antes real.
Ser triste é ser leproso por estes dias e já nem aos poetas e apaixonados se perdoa.
A maior das solidões é a ausência do único amor incondicional. Da palavra que temos como certa, do abraço que sabemos sonhado quando estamos longe.
Perder os que estiveram connosco desde o início marca o envelhecer. É a barreira que não queremos passar, a linha que desejaríamos não cruzar.
Como um sonho, podemos perdê-los dum dia para o outro ou, como a esperança, podemos perdê-los lentamente. O luto vai-se fazendo devagarinho, em cada memória que é esquecida; a dor vai-se instalando em cada relato distante da realidade e, por isso, longe de nós num afastamento que se sente como físico.
Ir dizendo adeus a alguém que se ama tanto, ainda em vida, é a solidão a crescer como um espinho que se vai enterrando na carne.
O corpo humano vive, muitas vezes além da capacidade da razão o acompanhar. E não me parece que seja bom...