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Crónicas do Chão Salgado

resistir e criar, por mais que nos salguem o chão dos dias | crónicas, memoirs, & leituras

Crónicas do Chão Salgado

resistir e criar, por mais que nos salguem o chão dos dias | crónicas, memoirs, & leituras

branco - Bela Vista

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Aos acossados pelo mar.
Aos que rompem as ondas e vão fundo,
e se enredam nas algas e rasgam nas conchas.
 
Aos que caminham nus pela areia,
de sorrisos soalheiros e pingando oceano.
 
Aos que regressam a casa e passam a mão no corpo,
branco do sal que fica, signo da pertença aos dias de Verão 
(que todos sabemos, é eterno).
 
Dias branqueados por gaivotas sobrevoando a água,
a espuma desfazendo-se na areia...
a madeira do bar da praia, que sentimos de pés escaldantes.

Branco dádiva, cor que não é cor,
que quando espanta e repudia a luz,
é para mais nos iluminar os dias e as as memórias.


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Escrever é maravilhoso, ler não lhe fica atrás. Obrigada aos que passaram por aqui, foi um prazer fazer a voltinha pelos vossos textos. 

Esta é a despedida do"desafio da caixa de lápis de cor, lêmo-nos por aí.


fotos: Praia da Bela Vista, Costa da Caparica

 

castanho-tempo

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A garganta seca, o peito aperta, as mãos seguram o volante com a pouca força que ainda sinto, agora que me aproximo. Corro a estrada devagar e acompanha-me, pela esquerda, o encrespar leve no azul marinho, o mesmo das tardes dos que estão e dos que partiram. "Vês, filha, o mar está cheio de carneirinhos."
 
Vejo já o fim da praia, onde a faixa de areia é quebrada pelos rochedos batidos às ondas. A espuma desfaz-se contra o castanho da pedra e, ao longe, a silhueta negra do Cabo entrando no Atlântico e deixando, para trás, as copas em verde profundo da Serra. Que oculta, entre outros mistérios, o da minha melancolia. Já ali à frente. "A Peninha nunca te contará nada; é magia, e na magia só te descobres a ti própria".
 
Anoitece, naquela indecisão que a luz toma quando se desfaz e o céu sugere já a noite, num azul cobalto que logo se desmancha em mil laranjas. Antes de partir até à alvorada, a luz brinca por ali, hesitando entre a lembrança do azul claro e límpido da tarde e os rosas e amarelos do adeus ao dia. "Sabes que luz encerra todas as cores, e há olhos que vêem mais que sete?"
 
O meu caminho é o da Casa. E da Casa, lembro-me que se ouve o mar entre o cheiro a citrino e a floresta, que é rugosa ao tacto e só se alcança depois de um caminho íngreme e  estreito. Este, por onde agora entro a custo, sentindo a agressão  dos arbustos, incomodados pela invasão. "Claro que moramos no fim da subida, assim só vem quem nos quer mesmo ver".
 
Passo árvores e muros, o coração acelera... ali está ela, a Casa. Abraçada por uma Primavera de lúcia-lima, que rebenta agora em verde claro de folha nova gritando "não" ao Outono do abandono. Um Outono que  foi ficando, alastrando-se nas folhas caídas, algumas lembrando ainda o vermelho dos últimos tempos de árvore. Logo antes da queda sobre os muros, agora dum castanho escurecido pelo abandono. Castanho-tempo, castanho-memória, patine de esquecimento, do deliberado deixar dos dias lá atrás... é perigoso voltar aos sítios onde fomos felizes, diz-se. Aos sítios que ficaram pertença dos nossos mortos.
 
Mas há lugares que nos possuem;  há madeiras, paredes e muros que, mesmo desprezados, sabem a linha reta para a nossa alma. E foi assim que eu nesse fim de dia, sem escapatória, num olhar feito de abraço, só pude gritar bem alto "cheguei a Casa"!

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Escrito no âmbito do desafio da "caixa de lápis de cor" no blog da  Fátima,. Entram também o José da Xã A 3ª Face, a Maria Araújo, a Peixe Frito, a Isabel, a Luísa de Sousa, a Maria, a Ana D., a Célia, a Charneca Em Flor,, a Miss Lollipop, a Ana Mestre, Ana de Deus, a Cristina Aveiro, a bii yue, o João-Afonso Machado Marquesa de Marvila  e a olga

...num campo de papoilas

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Se uma cor me servisse como sapato perdido depois do baile, era o vermelho. Aquele tom da flor aprisionada no celofane,  em molhos de afetos desajeitados, kitsch, de historieta de cordel.
Também aqueloutro, o da luz sanguínea lançada pela echarpe sobre o candeeiro, abat jour de filme de terceira, alongando a noite até à madrugada.
E a cor que me precede a nudez, na roupa que largo em salpicos vibrantes pelo chão, delicia de voyeur... E logo os beijos, que caem como cerejas, húmidos como bagos de romã, rolando pelo corpo até pararem num qualquer sítio já suado.
Ou as paredes nas tardes de motel, na pressa do sexo, que a taxa dobra e nada basta, nada chega para tanta cegueira por prazer, que vermelho é cor de fogo, de ânsia, cor de urgência, cor de agora-ou-nunca...
 
...mas hoje, não. Hoje sou só uma mulher exausta de tanto querer,  tanto amor e desamor, esvaída por esses corpos, deitada à luz num campo de papoilas.


 
 
fotografia: Terena, Alentejo
 
Escrito no âmbito do desafio da "caixa de lápis de cor" no blog da  Fátima,. Entram também o José da Xã A 3ª Face, a Maria Araújo, a Peixe Frito, a Isabel, a Luísa de Sousa, a Maria, a Ana D., a Célia, a Charneca Em Flor,, a Miss Lollipop, a Ana Mestre, Ana de Deus, a Cristina Aveiro, a bii yue, o João-Afonso Machado Marquesa de Marvila  e a olga

 
 
 
 
 

verde vida, verde constante

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Verde eras tu
ano depois do outro,
nos primeiros dos dias que narravam
a Primavera.
 
Eras erva nas ervas
e flor à solta,
sem fronteira entre alma, rouparia ou
tardes de Março.
 
E assim te lembro,
mulher-equinócio,
nas cores do tempo renascido, luz em
verde constante.
 
 

Texto escrito no âmbito do desafio da "caixa de lápis de cor" da  Fátima,. Entram também o José da XãA 3ª Face, a Maria Araújo, a Peixe Frito, a Isabel, a Luísa de Sousa, a Maria, a Ana D., a Célia, a Charneca Em Flor,, a Miss Lollipop, a Ana Mestre, Ana de Deus, a Cristina Aveiro, a bii yue, o João-Afonso Machado e a Marquesa de Marvila 
 
 

amanheceres amarelo-limão

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Se tivesse que escolher uma só planta para me amanhecer, seria um limoeiro.
Gosto de tudo, nos limoeiros. O verde profundo da copa; o fruto amarelo, devolvendo a luz; as flores miúdas e o cheiro, ah, o cheiro... deixar as janelas abertas para acordar de espírito perfumado e ganas de viver!
Os limoeiros são uma árvore caprichosa, o que só me faz amá-los mais, que os quintais estão cheios de flora previsível.
Ora dão limões quando mais nenhuma árvore dá fruto, carregados e anárquicos, coexistindo flor e fruto maduro, impetuosos... ora estão tempos sem dar sinal de vida, ignorando sobranceiros os olhos vigilantes que procuram o primeiro sinal de amarelo.
Aos meus limoeiros, ninguém impõe uma pedra para os tornar arbustos de jardim. Fazem o que querem, e eu recebo-os em manhãs amarelas como uma dádiva de luz.


Fotografia: limoeiro da janela de um meu quarto, numa das minhas manhãs de eleição.
texto para o desafio da caixa dos lápis de cor https://porqueeuposso.blogs.sapo.pt/438209.html

a rosa rosa


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É um rasgão na tarde ainda fria

e dizem-me que é Primavera.

 

Sei que primeiro veio a surpresa,

depois a avidez,

depois a mão lançada

e um espinho, a carne aberta...

 

É Primavera!

Diz a voz da mãe,

alheada da minha mão sangrante,

na euforia de uma rosa

da cor que compete às rosas.

 

E décadas passadas,

vejo como tudo está certo:

a Primavera com maiúscula,

a alegria da mãe e a rosa rosa

 

 

Fotografia: uma rosa rosa, como a mãe diz que devem ser...

texto para o desafio da caixa dos lápis de cor https://porqueeuposso.blogs.sapo.pt/438209.html

 

 

 

azul-luz de Alentejo

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Um azul-luz que é cor de estar-em-fundo
do Alentejo amarelo-roxo de Primavera.

O abraço encarnado das papoilas em manto.
 
Um azul que se perde e faz de saudade
daquela Calípole que me corre no sangue.
 
Da voz da minha mãe nas saias que canto.
 
 
 
Fotografia: Juromenha, ao céu e ao Guadiana
texto para a cor azul claro do desafio da caixa de lápis de cor