Corria o ano de 1987, quando uns quantos caloiros da Faculdade de Letras se juntaram para fazer uma revista de poesia.
Foram publicados três números de uma enorme ingenuidade, em folhas fotocopiadas e uma capa terrível. Mas lá, estavam todos os sonhos que a juventude acarreta, uma força inabalável e um deslumbramento pela poesia que nos uniu nesse projeto lindo.
Estes momentos foram recordados no bloque de um dos autores, Mails para a minha irmã, do João Paulo Videira, (meu colega de então em Línguas e Literaturas Clássicas) e, claro, tinha que os trazer também para este meu lugar.
Parafraseando o Jota Pê, "Venho saudar os jovens autores de então. Venho saudar o espírito empreendedor. Venho saudar a poesia. E, claro, venho saudar todos os leitores do mundo."
Dos vários autores, deixo um poema do Zé Fernando, que nunca mais vi; um do João Paulo, que continua um dos meus amigos mais queridos e, claro, um meu... e Viva o Dia Mundial do Livro...VIVA A POESIA!
A crónica é, a par da poesia, o que mais prazer me dá escrever nos últimos tempos.
Por impaciência, cansaço mental ou apenas pouco tempo disponível, gosto de textos curtos. Agrada-me escrever num repente, na força do impulso. Normalmente pela madrugada, corresponda esta à hora a que me deito ou acordo.
Mais tarde, volto a alguns desses escritos e, se me agradam, retomo-os. Limo, desbasto, completo. E arquivo-os em blogs de textos finais: um para poesia e outro para crónicas.
Escolhi organizar o que escrevo assim, em blogs, porque o meu sentido estético se satisfaz muito mais neste formato que num ficheiro word deitado a uma qualquer nuvem! Fixá-los em papel, no computador ou disco externo são opções que me levaram a perder tudo o que fiz até cerca de 2015... Uma lição aprendida e uma longa história.
Mas voltando à crónica, encontro nela uma plasticidade que se molda ao que exige sair de mim no momento. A crónica é um relato de vida e pode ou não colar-se à vivência pessoal do autor. Em caso afirmativo entramos no campo da crónica pessoal, do memoir, o registo intimista de uma página de diário.
Sou, por temperamento e formação, uma observadora de lugares, de gentes. E fascinam-me as emoções, das tenebrosas às mais leves. É esta a base das minhas realizações como, neste caso, a escrita.
A crónica dá a liberdade de olhar, ver, mas simultaneamente viajar dentro de nós próprios... e criar, ficcionar.
Umas das cronistas que aconpanho, a Claudia Lucas Chéu, deixou há poucos dias um texto que ilustra muito do que é a crónica e a forma como, por vezes, chega a quem a lê:
"Acontece, às vezes, os leitores e as leitoras terem dificuldade em distinguir; basta que os textos estejam na primeira pessoa e que pareçam verosímeis, dada a biografia pública, e logo concluem estar perante uma confidência. Se lessem com atenção saberiam que não era possível eu ser anorética e enfarta-brutos, estudante de economia e médica, lésbica e devoradora de cavalheiros, algo pudica e bastante puta, entre muitas outras disparidades, tudo em simultâneo".
E é esta a liberdade que a crónica permite! Boa escrita.
Foi ao som da música de uma máquina de escrever que registei os meus primeiros textos.
Como incentivo para continuar a escrever, ofereceram-me uma Messa verde e pesada, que era a minha grande companheira.
Esta já é mais leve, maneirinha, mas uma digna sucessora. Também Messa, a marca portuguesa.
Escrever à maquina ajudava-me a ter cuidado com a ortografia (as emendas não ficam bonitas) e com a minha dislexia. Lendo em voz alta e soletrando cada palavra, detetava melhor os truques do meu cérebro para me enganar, trocando-me sílabas na cabeça.
A minha primeira faculdade acabou mesmo por ser a de Letras, o que prova que podemos aprender a lidar com algumas situações de dislexia.
Gosto do barulho dos tipos, da lentidão que exige o processo. Pousar os dedos, tecla a tecla, na entrega profunda ao ato físico da escrita.
A pausa como método, a cadência como embalo do criar.
Agora, enquanto bato cada tecla, só faltam as vozes dos pais a cantar, ao fundo, para voltar aos anos 80 ...
...Faltavam, porque, fechando os olhos, soltam-se as suas vozes das paredes onde têm ficado guardadas, entre as minhas idas e as voltas à adolescência.
Olhar para portas que deixaram de ser abertas, ver os cortinados que ninguém já afasta, esfarrapando-se em abandono.
Degraus gastos por muitos anos de uso.
Crianças que os desceram a correr, avós que os subiram com dificuldade.
As paredes, que retinham o aroma a doce de tomate na época da apanha. A broas fervidas pelos Santos.
O cheiro a cavalo, azeite e vinho por toda a rua.
Os ruídos do lagar, da vinícola, das gentes no campo, mais ao longe.
Foi assim, um dia. Agora, não está ninguém... sons e cheiros só ficaram retidos, como uma impressão, na memória. Fugaz, como fugaz é a vida dos que se lembram.