Em mais um Desafio da Abelha, da Ana de Deus, uma história sugerida por uma imagem... podem encontrar o desafio e a imagem aqui .
E a história que me nasceu, já abaixo...
O que tornava diferente a sua felicidade não era o amor que os colocou frente a frente.
Nem a praia em se tinham conhecido, que deixava a pele salgada e quente, a provocar um arrepio quando a ponta da língua a tocava.
Nem sequer as noites de aconchego, quando vieram os Invernos e dormiam num encaixe perfeito e suave... que se tornava firme, quando um deles estremecia num sono mais agitado e o outro o apertava, forte. Para logo regressarem os dois ao conforto do abandono.
Não era também a vida que crescia no corpo de um e coração dos dois. E lhes trazia a imensa tarefa de ajudar a crescer um ser que acrescentasse algo de bom a este mundo.
O que os tornava diferentes, é que eram felizes e sabiam-no.
E este, o mais importante dos saberes, tornava cada instante único e cada dia vivido em pleno...
O segredo de um futuro de pazes feitas com o passado é ter vivido no presente, plenamente, todos os instantes de felicidade que se atravessam.
O horário dos pombos da minha rua corre ao ritmo da solidão da vizinha do prédio em frente, do sexto esquerdo, para ser mais preciso.
Não é pessoa de se levantar cedo, porque os pombos só aparecem a meio da manhã. Quando ela traz numa mão uma chávena de café e, na outra, uma caixa plástica com coisas que os pombos, notoriamente, apreciam.
Aparecem numa revoada ruidosa e abicanham o que podem.
Depois, fazem um voo descontraído até às varandas vizinhas, onde se deleitam a deixar manchas que vão do branco a vários tons de verde.
Parece-me uma cor saudável para merda de pombo, também devem ter o cuidado de consumir vegetais.
A vizinha sai para a voltinha diária. Já a vi a discutir o frio com a senhora da farmácia e os perigos da carne vermelha com o talhante. "Dois bifes de peru", quando chega a vez dela.
Volta, para ficar sentada a tarde toda no mesmo cadeirão.
A ver televisão, pela postura quieta e olhar fixo.
Ao fim da tarde, que os pombos deitam-se cedo, chegam e começam a pousar nas varandas por ali. É também a hora para mais uma dose da comida-da-caixa-plástica.
Ralha com os glutões, acarinha os mais frágeis, fica até todos estarem satisfeitos.
Depois, volta para a sua existência solitária, triste, vazia.
Apenas preenchida por insignificantes diálogos com desconhecidos, televisão e uns pombos tolos e cagões.
Eu não preciso de nada disso.
Tenho a vizinha do prédio em frente, do sexto esquerdo, para ser mais preciso.