Por estes tempos, o acto de escrever é o meu luxo de egoísmo ao final do dia. O meu salute per aquam em que me banho em ideias e palavras.
É o momento em que deixo de pensar em todos aqueles que agora me ocupam os dias e as emoções, dentro e fora de casa. É o momento em me vejo só.
E será por isso que, nos últimos tempos, escrevo sobretudo sobre mim, como só eu me interessasse.
Mas na realidade este é, no final do dia, o tempo em quem me resgato. Me recupero da exaustão de me dar a dobrar, tentando diminuir a distância, ludibriar o espaço cavado entre nós.
E a escrita surge, como um acto solitário e, inevitavelmente, voltado para mim. Procurando-me entre "os despojos do dia". Equilíbrio.
E vocês, escrevem pelas mesmas razões de há um ano atrás?
Hoje, num mimo de Domingo, surge um croissant quentinho, que desde logo lhe anima a alma - "tenho a alma muito perto do estômago", costuma dizer, "uma chatice".
Prato escolhido a preceito (estava no fundo da pilha, de certeza), aquele olhar que a encanta e um "Paris em casa" lançado ao ar...
E são as memórias da primeira viajem que fizeram juntos; os passeios pela cidade em que invariavelmente lhe sai um "adoro o nome desta loja " quando passa pela Paris em Lisboa.
E voltaram a esses dias, fizeram planos para os repetir, porque aquilo que importa e os tornou encantados, permanece - a paixão.
E tudo isto através de um croissant... há bilhetes para a felicidade onde menos os esperamos!
Aprendi a circular de uma sala para a outra do quotidiano fechando a porta à saída.
Quando estou no trabalho, só penso no trabalho, não "espreito" o Instagram, o Sapo. Estou lá totalmente.
Se entro no tempo da família ou da vida social, não vou ao mail do trabalho, nem penso nele.
Não fui sempre assim. Algures no tempo trabalhei em casa e tive filhos pequenos, e os meus dias eram uma tremenda salganhada. Um pouco como se devem agora sentir os pais em teletrabalho com a criançada à volta. Ui!
Também passei a fase de não me conseguir desligar do trabalho. Era terrível, as insónias e ansiedade sempre à espreita.
Depois, aprendi a ter interruptores que me desliguem do que não quero no momento.
Ando pelo Instagram, por onde sei do que se passa no meu concelho, de espetáculos e eventos on-line... redescobri-o na pandemia.
Há um ano vim para aqui à Sapolândia, onde gosto do ritmo pausado que lhe posso imprimir.
Tenho a minha lista de leitura, espreito os últimos posts, fico pelos textos que gosto. E quando tenho vontade deixo as minhas impressões, respondo às dos outros. Mas não por obrigação, que já tenho muitas... só por diversão. É um interruptor para desligar de outras salas, o Sapo.
Entre outros interruptores estão as miniaturas (adoro casas de bonecas), artes têxteis, investigação, autossuficiência, fotografia, leitura, escrita... e a pintura, que hoje ilustra a minha crónica do interruptor!
Na minha vida, ligar e desligar foi uma aprendizagem demorada. Mas valeu a pena...
Sábado e Domingo há hora de ponta no vestíbulo cá do prédio.
Assim, sem se suspeitar, fomo-nos encontrando lá em baixo, mutuamente surpreendidos por depararmos com vizinhos de cabelo desalinhado, as calças moldadas ao sofá e, nos pés, claramente o que era mais fácil de calçar e estava ali à mão. Ao pé, digo eu.
Uns descem, outros sobem. Uns só se cruzam, outros partilham um quarto de hora de conversa.
Ali ficamos, no círculo alargado de distância física mas na aproximação do sorriso nos olhos, no meneio da cabeça que cumprimenta quem chega e quem vai. . Na verdade, nunca tínhamos estado assim, conversando sobre a falta que faz a praia, o aborrecimento de estar em casa, os destinos adiados sine die, as saudades de alguém... São palavras trocadas sobre os pequenos nadas dos dias.
Para algumas destas pessoas são estas as únicas conversas banais, mas reais, que têm durante a semana. Sem tecnologia como intermediária. Risos e vozes sem a pressa do supermercado ou a impessoalidade do carteiro.
E em nome cá do prédio, agradecemos esta oportunidade de nos conhecermos melhor à política dos serviços de entregas de refeições, que não sobem até aos apartamentos. Assim, lá tivemos que começar a descer ao vestíbulo para esperar o almoço... e as palavras nasceram, como já plantadas num terreno que só esperava rega.
E enquanto subo com a refeição para os meus, vou pensando como estamos sedentos de conversas a sério, com gente do lado de cá do ecrã. Findo o confinamento, voltarão as rotinas que desejamos e, claro terminarão estas pequenas pérolas que a vida também tem para nos oferecer agora. Mas os bons-dias serão sempre mais bonitos!
foto: Paris, mas podia ser a minha rua... haja luz nos olhos!
Principalmente aqueles em que dou por mim em alhadas que poderia bem ter evitado... e até sabia no que ía dar, mas não me contive e tau, falei.
E digo para mim 'dasseeee mulher, como é que tu fazes as mesmas asneiras depois de décadas a saber que dá mau resultado?!
E a gula! Meus deuses, sei que não posso comer queijo da serra, fico com enxaquecas terríveis... mas como. Além de outras coisas de que nem vale a pena falar.
Detesto fazer tarefas de casa. Só gosto de cozinhar e graças pela Bimby, que trabalha quase todos os dias! Ora, a senhora que cá vinha ajudar deixou de trabalhar com medo do Covid. Então as coisas vão-se fazendo mas sem qualquer disciplina, e nem me passa pela cabeça trabalhar para os três adultos que vivem comigo, era o que faltava.
Ponho o irobot a passear, e os homens que limpem a sanita, que eu faço xixi sentada. E limpo a banheira e a parede quando tomo duche, dá um resultadão!
E reconheço, não gosto nada de mim assim.
Queria ser refletida, comer ajuizadamente, arrumar a casa e lavar a casa de banho, fazer a cama todos os dias. E não deixar roupa na cadeira.
Felizmente, fui capaz de educar dois rapazes que sabem fazer tudo, senão estava atulhada em cotão!
E quando escolhi o segundo marido, certifiquei-me que vinha bem treinado a arrumar a cozinha, estender e recolher a (nossa) roupinha, entre outros talentos que não vêm ao caso.
Mas mesmo não gostando de mim assim, amo de paixão estes gajos que vivem comigo.
Bem, o meu filho mais velho tem em casa as obras de Santa Engrácia, mas pronto, podia ser pior.
Mas enfim, isto para dizer que acho que alguém que não se ame é perfeitamente capaz de amar os outros! Oi eu aqui!
E agora, vou trabalhar mais um bocado que nisso... sou boa!
Continuo com Ailton Krenak, e o seu "Ideias para adiar o fim do mundo" na alma.
E entre as minhas minhas estratégias para trocar as voltas ao Apocalipse tem lugar de honra a hora de Sair de Casa.
Se para uns estar dias inteiros em sossego, com mantinha e um chá é o paraíso... a mim, sufoca-me.
Além de gostar mais de whisky que de chá, sou bicho de rua, preciso de respirar largueza e vistas sem paredes em volta.
Para os gregos, o tempo era dois: Cronos e Kairós. O primeiro, o cronológico, mensurável. O segundo, aquele tempo que nos diz algo, o tempo especial, que não se quantifica mas se sente, sendo a sua única medida o quão precioso é para nós.
E o meu Kairós é aquele em que caminho até ver o Bugio. Respirar o que me chega de maresia.
É-me proibido entrar pela areia e molhar as mãos no mar. Mas há-de vir o dia. Meu mar.
... Eu espero, que o meu Kairós basta para fazer face ao Cronos. Eu espero...